segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Diário do Palhaço: " O que os olhos não veem o coração sente ! "

O primeiro raio da manhã, rasgou a janela do meu quarto como uma flecha rasga o céu após ser lançada. Eram 7:00h e a faixa de luz parecia arranhar o meu olho que ainda insistia em permanecer fechado. Sempre acordo muito cedo. Sou daqueles que acredita que quem dorme demais, perde tempo “demais” também, nessa vida. Acho que é isso que me impulsiona e me faz acordar geralmente muito cedo e quase sempre, muito bem humorado!!! Não sei se já disse isso aqui, mas sou eternamente grato por estar vivo e agradeço sempre a DEUS por isso !!! - Já devo ter dito sim ... pelo menos um milhão de vezes. Mas confesso que tava complicado desta vez, o celular (no modo soneca!) já havia despertado umas quatro ou cinco vezes, o que não costuma ser muito comum em outros dias ... Minha cabeça parecia mais pesada do que de costume. Na verdade, eu mal havia acabado de despertar e ela doía, ela doía ... ela doía muito!!! E eu, quase que instintivamente já imaginava o que estava por vir:
“Um lindo dia de sol e enxaqueca”. Me arrastei pro chuveiro e depois para a cozinha. Sabia que meu dia seria longo, e agitado. Aliás começou mais agitado do que eu podia intuir ... Meu banho e o café da manhã, duraram pouco mais de 20 min, sai de casa correndo, peguei um ônibus fora do ponto e comecei a organizar/resolver tudo o que eu havia me comprometido para o dia, ainda dentro do lotação: papéis, contas, ... As horas foram passando e a minha companheira, - isso mesmo a tal da “enxaqueca”, - insistindo em passar comigo aquele lindo sábado de sol. Eu tentei afastá-la com um comprimido, mas não sabia eu, que a danada tinha vindo para passar um final de semana inteirinho. “Bem-feito! Quem manda não se alimentar direito e dormir tão tarde ?” – pensava comigo mesmo. Assim até as onze horas fiz tudo que tinha pra fazer zumbizando pelas ruas da cidade ... Depois segui para o curso. A aula de inglês foi um verdadeiro porre ... viajei por vezes sem prestar atenção no que a professora dizia ou mesmo no assunto que debatiamos com pouca exitação. Algo sobre o uso excessivo da internet , eu acho. Conclusão : acabei saindo antes do horário final da aula. Não suportei !!! O dia estava realmente muito bonito e eu tinha uma missão bastante nova e desafiadora. O alvo da visita do Brincando com VOCE, nesta tarde era a Escola de Educação Especial Accácio Branco. Uma escola para deficientes visuais aqui de Petrópolis. A escola atende aproximadamente 15 crianças de idades variando entre 3 e 16 anos, mais alguns adultos também de idades variadas. A trupe nunca havia visitado um local com este gênero de especiais. Sim amigos, palhaço que é palhaço não recusa um desafio... O convite pintou da Mara Marques que trabalha na secretaria de educação (especificamente ligada a área dos especiais). Ela já havia convidado nosso projeto para uma outra visita em uma escola de portadores de deficiência auditiva há uns dois meses atrás . O convite foi aceito por nossos corajosos palhaços de prima, claro ! Na intenção de um trabalho bacana sempre, previamente fizemos um pequeno estudo sobre possibilidades, atos e condutas com os portadores deste tipo de deficiência. Claro que a proposta foi enquadrar as brincadeiras dentro das possibilidades deles, mas ao contrário do que muitos podem imaginar, cortamos de imediato todas aquelas atividades que de alguma forma, pudessem expor as suas limitações. A proposta do grupo é mesmo essa: “Ah você é assim ? Você é assado ? ... ah, tá! Tudo bem !!!! Vamos brincar ???? Cheguei como sempre antes do horário marcado com o restante do grupo. O sol era forte e procurei o abrigo de uma sombra do outro lado da rua próximo a uma ponte, onde me sentei bem em baixo de uma grande árvore. Embora a dor de cabeça ainda estivesse me perseguindo, eu pude relaxar ali um pouco e fazer neste momento um grande exercício de concentração/meditação. Fiquei imaginando formas de interagir com as crianças, em como puxar assuntos que fizessem parte do universo delas. Na verdade eu estava um pouco preocupado/tenso em trabalhar o meu clown sem invadir, agredir, transgredir com exageros. Minha proposta era transmitir a alegria do meu palhaço pelo som, pelas palavras, pela música ... ou seja, ferramentas que pra mim sempre foram secundárias, visto que, a imagem o colorido a forma sempre foram muito fortes no Pitolomeu ... sou 100% visual confesso. Talvez por isso eu estivesse temeroso em não conseguir executar com destreza o meu papel de palhaço. Era impossível, não notar e contemplar ali dos pés daquela grandiosa árvore a beleza azul do céu. Estava lindo mesmo gente !!! Lembro que algumas questões passaram pela minha cabeça nessa hora. Coisas simples, outras abstratas ... por exemplo: Fiquei imaginando: - Será que as crianças tem a mesma noção que eu, que este dia esta especialmente lindo? Petrópolis por ser uma cidade serrana quase sempre tem seus dias chuvosos e um dia primaveril como aquele, era algo não tão comum e que merecia ser contemplado, claro! Foi exactamente neste instante que fechei meu olhos e fiquei imaginando como seria o meu mundo se eu não pudesse enxergar toda aquela beleza. O primeiro sentimento que tive foi medo. Afinal eu estava ali sentado em uma rua pública (pouco movimentada é bem verdade) e o fato de ser surpreendido por alguém foi a primeira coisa que pensei. O mundo anda tão violento e se eu fosse assaltado? Lutei então para não abrir meus olhos. Tentei me acalmar e afastar o medo procurando prestar atenção no barulho dos carros. Ouvi muitos passando, alguns buzinando outros apressados acelerando fundo e arrancando com bastante rapidez. Pareciam ter pressa sempre ... Percebi a conversa de algumas pessoas passeando pela rua. Pareciam vovez femininas. Senhoras talvez, pela voz firme e o tom sério da conversa. Ouvi também o canto de um passarinho na árvore. O canto doce e suave dele me pareceu completamente antagônico a todo aquele barulho que vinha da rua. Foi então que senti uma brisa suave tocar o meu rosto ... um pequeno vento balançava os galhos da árvore e um raio de luz, entre um balançar e outro, tocava o meu rosto. Engraçado, tive a sensação como se estivesse sendo acariciado pelo sol, várias vezes. O calor e a sensação da luminosidade embora eu permanecesse de olhos cerrados era enorme naquele instante em que eu me propunha a literalmente desligar os meus “olhos” para o mundo e despertar todos os meus outros tantos sentidos. Foi uma sensação incrível tenho que confessar !!! Embora eu estivesse me comprometendo ali naquele momento a não usar aquele que considero o maior de todos os meus sentidos, eu podia imaginar e porque não dizer até visualizar na minha mente, os galhos da árvore balançando e a minha visão sendo interrompida pelo brilho intenso dos raios de sol no meu rosto. Eu estava vendo embora ainda de olhos fechados, toda a beleza do dia. Fiquei emocionado nessa hora, confesso. Neste instante, retornaram em minha mente, as lembranças daquela manhã. Eu deitado na cama e o raio de luz me chicoteando o rosto. Engraçado como agora era a mesma luz, porém desta vez me acariciando assim tão suavemente. Então abri o olhos e acho que o coração também. Sim, eu me sentia melhor ... bem mais preparado para encarar com mais segurança este desafio. Parar ali e me auto-observar, ajudou a me fortalecer ...
Acho, que já possuía até algumas respostas para as minhas perguntas (...) Encontrei o pessoal no local combinado e fomos recebidos com carinho pela Mara e pela diretora da escola. Fomos encaminhados para uma sala (biblioteca) onde pudéssemos nos trocar e guardar nossas coisas pessoais. Der repente alguém bate a porta que não estava trancada e uma voz doce nos cumprimenta. - Boa tarde, ela disse. - Boa tarde, respondemos. Era uma menina aparentando ter uns 9 anos, mais ou menos. Ela entrou com especial familiaridade a sala onde estávamos e dirigiu-se ao canto da sala. Der repente buscou com um dos seus pés algo no chão perto de onde eu estava. Fiquei parado observando as atitudes dela. Só então percebi que ela era uma das alunas da escola. - Você pode me dizer se existe uma mochila lilás aqui neste canto ?
Ela perguntou com voz doce.
- Sim, eu coloquei ela aqui no banco. Respondi Só então me dei conta de que eu sem querer, tinha invadido o espaço dela. E o que é pior... tinha modificado ele. Mudado algo exatamente do lugar onde ela havia o deixado. Isso é uma grande gafe no universo deles, afinal se alguém muda algo de lugar, como vão saber ? Fiquei sem jeito, pedi desculpas e devolvi a mochila a ela que não disse nada. Apenas abriu um lindo sorriso pra mim. Abaixou no chão, abriu a mochila, pegou sua pregadeira, colocou com especial destreza no cabelo. Fechou a mochila. Colocou exatamente onde havia deixado antes de entrarmos na sala. Virou-se na minha direção disse um simples e iluminado – Tchau ! E saiu da sala com a mesma agilidade que entrou. Ficamos em silêncio todos. Nos entre olhando sem saber o que comentar. Toda a segurança que eu havia conseguido aos pés daquela bendita árvore agora tinham se resumido a nada. Mil pensamentos vagaram desgovernados na minha cabeça. Eu nunca havia tido contato com crianças especiais desta natureza. E se eu cometesse um milhão de gafes ??? Se eu fosse deselegante e mal educado com uma delas rompendo seus códigos ? Eu sempre ouvi falar que elas geralmente se viram muito bem... E se viram mesmo. Se não fosse o episódio da mochila eu nem teria notado que a menina era uma aluna daquele lugar. Estava realmente surpreso. Então pensei: Isso foi bom e foi ruim ... Foi bom, porque poderemos brincar de coisas legais como corridas e gincanas e foi ruim, porque antes mesmo de entrar em cena eu já rompi o espaço que é deles. Confuso, né ? Mas diante das dificuldades, a última coisa que todos ali precisavam era de um palhaço desesperado. Destrambelhado sim ... desesperado nunca !!! ...rs. A visita correu muito bem ... na verdade foi mais fácil do que pensávamos ... aos poucos nossa energia, animação e descontração foi contagiando a todos. Tive momentos engraçados e memoráveis é bem verdade. Como a hora em que um garotinho chamado Vitor Hugo (3 anos), tocou meu rosto pela primeira vez para saber como eu era. Ele foi com uma expressão séria lentamente tateando o meu rosto. Ao chegar no meu nariz de palhaço ele apalpou bem de levinho, e der repente deu um apertão seguido de uma gargalhada muito gostosa. Ou ver a energia dos irmãos Rai e Lucas correndo e brincando pelo pátio exatamente como devem ser todas as crianças ... certas horas as diferenças simplesmente desapareceram aos nossos olhos, se é que elas realmente existiam ali.
Ver o Aleph um menino cego e altista de aproximadamente 14 anos tocando lindamente seu teclado e cantando com nós palhaços:
“É preciso saber viver !!!! É preciso saber viver !!! Em conversa com os professores e instrutores da escola, eles me disseram que o menino é auto-didata e para minha surpresa o ví tocando com as mãos de forma invertida. É incrível ... realmente emocionante. A Nice também é outra figura que conheci lá e que marcou ... Uma senhora super divertida que entrou na brincadeira com a molecada e curtiu muito a tarde. Peguei no pé dela dizendo que ela sairia casada da escola naquele dia. Ela adorou a ideia e deu altas deixas pra que eu pudesse engrandecer as piadas e gags que eu propunha com ela.
Tivemos falhas é claro ... afinal é tudo novo, de novo pra gente ... mas foi um grande aprendizado sem dúvida... O Grupo está integrado e muito mais confiante na proposta do trabalho. Todos os esforços para prepararmos o meeting LatAm valeram para unir ainda mais os voluntários. A própria Diretoria da VOCE , ong na qual o projeto está inserido, parece bem mais envolvida com nossos esforços e está nos dando constante feedback do resultado do nosso trabalho. Isso ajuda demais e nos dá força para continuarmos o trabalho.
(...) Ah! Já ia me esquecendo .... as respostas: *** Sim, é possível contemplar as belezas do mundo mesmo sem poder enxergá-las; *** Você faz as escolhas: A vida tanto pode ser boa e lhe acariciar o rosto, ou pode ser ruim e lhe chicotear os olhos de manhã; Depende de como você "vê" as coisas; ou "não vê"... rs! Mas acredite, tudo dependerá exclusivamente das suas escolhas; *** Dor de cabeça de enxaqueca não passa nem relaxando a mente e nem com meditação ...risos!
Brinde ofertado pelos alunos e por Mara Marques aos nossos palhaços no final da visita. O cartão em braile trazia a seguinte mensagem: " O que os olhos não veem o coração sente !!! "

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