segunda-feira, 8 de março de 2010

No Divã: É bom que eles paguem

Pesquisa revela o que as mulheres escondem: a maioria detesta dividir as despesas

Débora Chagas

O rol de conquistas femininas é tão longo que algumas já começam a ser revistas. A primeira da lista de revisão parece ser o pagamento das contas. Houve um tempo em que as mulheres precisavam pagar todas as suas despesas, ou bancar metade das despesas conjuntas, como forma de provar que ficaram independentes financeiramente. Mas a regra continua a vigorar quando ninguém mais questiona essa independência? De acordo com pesquisa feita pelo Instituto Vox Populi encomendada por VEJA, começa a surgir entre as próprias mulheres uma corrente que questiona o pagamento das despesas. Elas declaram aborrecer-se com a responsabilidade de dividir gastos de casa, como contas de luz, condomínio e aluguel. Rachar a nota de um restaurante, por exemplo, é motivo de irritação para uma parte significativa das entrevistadas. A verdade é que elas podem até assinar o cheque, mas, lá no fundo, gostariam que eles tomassem a iniciativa.

À primeira vista, os resultados da pesquisa denotam uma contradição. As mulheres suaram para competir em igualdade com os homens no mercado de trabalho e também por uma divisão mais equilibrada das responsabilidades com a casa e a família. Por que então pregar a volta da "mulherzinha" sustentada pelo marido ou pelo namorado? "Não tem nada a ver com submissão. A conquista do pagamento foi substituída por uma espécie de imposição social para que a gente divida as contas, como se isso fosse a prova da independência feminina", comenta a arquiteta Vanessa Bhering, de Brasília, que sempre defendeu que os namorados tomassem à frente das despesas. De acordo com dados de consultorias de recursos humanos, as mulheres costumam ganhar 20% a menos que os homens mesmo ocupando cargos iguais. De cara, isso poderia ser entendido como um bom pretexto para que as despesas fossem desigualmente divididas. É o que pensa a gerente de marketing Bárbara Levy, de 31 anos. Morando há um ano com o médico Álvaro Razuk, de 33 anos, ela raramente põe a mão no bolso quando se trata das despesas domésticas. "Meu dinheiro é para mim: cabeleireiro, celular, o seguro do meu carro. O resto, acho que ele deve pagar. Afinal, ele ganha três vezes mais que eu", diz. Entre o casal, o fato é encarado de maneira tranqüila. Na opinião do marido, assumir todas as despesas é uma questão de gentileza e, quase, uma obrigação. "Não me sinto explorado. Ao contrário. Acho que é uma nova maneira de encarar a distribuição de tarefas. Sinto-me lisonjeado de poder dar conforto a ela", afirma. A opinião popular captada pela pesquisa não traduz o pensamento dominante dos estudiosos (e principalmente das estudiosas) sobre o tema. A grande maioria dos trabalhos sobre o assunto prega que a mulher deve, sim, pagar as despesas, como forma de manter a relação em pé de igualdade, sem dar a ele a oportunidade de se autoproclamar "provedor". Mas as mulheres, de acordo com a pesquisa, não se importam com o que pensam os estudiosos.

Pagar a conta entra no mesmo rol de gentilezas admiráveis como abrir a porta do carro e puxar a cadeira. Para o psicoterapeuta carioca Sócrates Nolasco, a questão de quem vai ou não pagar a conta do jantar leva, simbolicamente, à seguinte pergunta: afinal, quem manda aqui?. "Está claro que elas querem ser conduzidas", afirma ele, autor dos livros O Mito da Masculinidade e A Desconstrução do Masculino. Para Nolasco, as mulheres optam pela passividade na hora de colocar a mão no bolso quando querem preservar um certo encanto romântico na relação. "O cotidiano é muito pragmático; então elas tratam o jantar com o parceiro como se fosse uma trégua." Há ainda um dado adicional que afeta diretamente as mulheres casadas. A grande maioria delas se diz sobrecarregada e estressada com as tarefas domésticas, que assumem quase sempre sem a participação do marido (veja reportagem). Sob essa ótica, deixá-los pagar funciona como uma espécie de compensação. "É uma reação como se elas dissessem: 'Tudo bem, eu continuo a ser a mãe de seus filhos e a rainha do lar, fora o fato de eu trabalhar fora, mas quero ser recompensada por isso'. Elas querem é uma reverência pública", diz o psicanalista Joel Birman. Existe certo consenso de que as discussões financeiras se tornaram uma erva daninha tão devastadora para o relacionamento quanto a rotina, a "mesmice". Muitos casais minimizaram a discussão separando o mundo financeiro do mundo sentimental. Cada um mantém uma conta corrente individual e nenhum dos dois deve satisfação ao outro sobre o que faz com o dinheiro. Na data dos pagamentos, os dois preenchem cheques no valor exato correspondente à metade de cada despesa do mês. É uma forma de manter a individualidade econômica. Outros casais optam pela conta corrente conjunta, na qual não há segredos. A transparência financeira é o principal propósito. Não existem regras preestabelecidas para dizer o que está certo ou errado. No dicionário amoroso, cabe pagar ou não dependendo da situação. Em geral, recomenda-se o diálogo. O importante é falar sobre o assunto de maneira aberta desde o início do relacionamento. Dinheiro, casamento, amor e romantismo são coisas intimamente ligadas. Encare o debate de maneira positiva. Antes de começar uma discussão que envolva dinheiro, é preciso ter certeza de que o problema é realmente financeiro, e não um bode expiatório para outras questões do casal.

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