quarta-feira, 14 de julho de 2010

Tesouro
(Luiz Fernando Veríssimo )
Dois velhos sátiros conversando. Sobre as menininhas. — Que safra. — Grande safra. — Cada neném... — Nem me fala. — Lindas. — E desinibidas. — Desinibidas. Sem preconceitos. — Informais. — Nenhuma chama a gente de senhor. — Agora, tem uma coisa... — O quê? — Não sei se acontece isto com você, mas às vezes... — O quê? — Falta papo. É ou não é? — Como assim? — Sei lá. Está certo que o que a gente procura nelas não é estímulo intelectual. Mas de vez em quando a gente gosta de... não é mesmo? Conversar. Trocar idéias. — Nem que seja só para recuperar o fôlego. — Exato. E não dá. Esta geração não leu nada. — Nada. — Antigamente ainda liam O pequeno príncipe. — Liam O pequeno príncipe demais, para o meu gosto. — Mas liam. Quer dizer, rendia cinco minutos de conversa. Hoje, nem isto. — Mas isso tem o seu lado bom. — Bom? — Bom, não. Formidável. — Como, formidável? — Você não vê? — O quê? — Você ainda não se deu conta? — Do quê? — Meu querido. Elas não conhecem Vinicius de Moraes! — E o que que... — Esta é a primeira geração brasileira em muitos anos a passar pela puberdade sem ler Vinicius de Moraes. Intocada por Vinícius de Moraes. Virgem de Vinicius de Moraes. — Sim, mas... — Lembra antigamente, quando a gente começava um verso do Vinicius para uma menininha? O que acontecia? — Ela terminava. — Isso. Sabia de cor. Claro que aquilo ajudava. Aproximava vocês. Você mostrava que era um cara sensível e ela se convencia de que, gostando dos mesmos versos, vocês eram feitos um para o outro. Nascia um amor eterno enquanto durasse, mesmo que fosse só uma noite. — E hoje? — Hoje você diz uma frase de Vinicius no ouvido de uma rae-nininha e ela pensa que a frase é sua. E a mesma coisa, sem o Vinicius. Elimina-se o intermediário. — Será? — Há alguns anos eu estou passando frases do Vinicius de Moraes como se fossem minhas, improvisadas na hora. Poemas inteiros. — Mas fazem efeito? — O quê? Elas estão acostumadas com a conversa dos garotos da idade delas. Uma espécie de português reduzido às interjeições. Qualquer vocabulário com mais de 17 palavras deixa elas extasiadas. As que não admiram a poesia, admiram a prolixidade. — Eu não tinha pensado nisso. — Experimente. — E se aparecer uma que conhece o Vinicius? Serei desmascarado. — Se aparecer uma que conhece o Vinicius será velha demais para você. E pense no seguinte: tudo o que o Vinicius escreveu sobre o amor. Sem contar as letras de músicas. É um tesouro inesgotável. E tudo inédito, para elas. Ler o Vinicius, para refrescar a memória, ê uma das últimas coisas que eu faço todas as noites, antes de dormir. — E a última, qual é? — Tomar a minha gemada.

Um comentário:

SOCORRO OLIVEIRA disse...

Belo texto ...mas agora me sinto mais velha do costumo de sentir. affff ...:( :( :( :( !!!