Tesouro
(Luiz Fernando Veríssimo )
Dois velhos sátiros conversando. Sobre as menininhas.
— Que safra.
— Grande safra.
— Cada neném...
— Nem me fala.
— Lindas.
— E desinibidas.
— Desinibidas. Sem preconceitos.
— Informais.
— Nenhuma chama a gente de senhor.
— Agora, tem uma coisa...
— O quê?
— Não sei se acontece isto com você, mas às vezes...
— O quê?
— Falta papo. É ou não é?
— Como assim?
— Sei lá. Está certo que o que a gente procura nelas não é estímulo
intelectual. Mas de vez em quando a gente gosta de... não é mesmo? Conversar.
Trocar idéias.
— Nem que seja só para recuperar o fôlego.
— Exato. E não dá. Esta geração não leu nada.
— Nada.
— Antigamente ainda liam O pequeno príncipe.
— Liam O pequeno príncipe demais, para o meu gosto.
— Mas liam. Quer dizer, rendia cinco minutos de conversa. Hoje, nem
isto.
— Mas isso tem o seu lado bom.
— Bom?
— Bom, não. Formidável.
— Como, formidável?
— Você não vê?
— O quê?
— Você ainda não se deu conta?
— Do quê?
— Meu querido. Elas não conhecem Vinicius de Moraes!
— E o que que...
— Esta é a primeira geração brasileira em muitos anos a passar pela
puberdade sem ler Vinicius de Moraes. Intocada por Vinícius de Moraes. Virgem
de Vinicius de Moraes.
— Sim, mas...
— Lembra antigamente, quando a gente começava um verso do Vinicius
para uma menininha? O que acontecia?
— Ela terminava.
— Isso. Sabia de cor. Claro que aquilo ajudava. Aproximava vocês. Você
mostrava que era um cara sensível e ela se convencia de que,
gostando dos mesmos versos, vocês eram feitos um para o outro. Nascia um
amor eterno enquanto durasse, mesmo que fosse só uma noite.
— E hoje?
— Hoje você diz uma frase de Vinicius no ouvido de uma rae-nininha e
ela pensa que a frase é sua. E a mesma coisa, sem o Vinicius. Elimina-se o
intermediário.
— Será?
— Há alguns anos eu estou passando frases do Vinicius de Moraes como
se fossem minhas, improvisadas na hora. Poemas inteiros.
— Mas fazem efeito?
— O quê? Elas estão acostumadas com a conversa dos garotos da idade
delas. Uma espécie de português reduzido às interjeições. Qualquer vocabulário
com mais de 17 palavras deixa elas extasiadas. As que não admiram a poesia,
admiram a prolixidade.
— Eu não tinha pensado nisso.
— Experimente.
— E se aparecer uma que conhece o Vinicius? Serei desmascarado.
— Se aparecer uma que conhece o Vinicius será velha demais para
você. E pense no seguinte: tudo o que o Vinicius escreveu sobre o amor. Sem
contar as letras de músicas. É um tesouro inesgotável. E tudo inédito, para elas.
Ler o Vinicius, para refrescar a memória, ê uma das últimas coisas que eu faço
todas as noites, antes de dormir.
— E a última, qual é?
— Tomar a minha gemada.
Um comentário:
Belo texto ...mas agora me sinto mais velha do costumo de sentir. affff ...:( :( :( :( !!!
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